segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Amigo violão


Ah, se eu pudesse apanhar um violão, encaixá-lo sobre as pernas, minha mão esquerda caçando notas em sua cordas, minha mão direita dando batidas na mágica de juntar notas, ritmos e harmonia. Quantas vezes eu pensei: "Ah, seu pudesse!!!".Aquele domínio sobre o instrumento para mim era tudo. Era a possibilidade de tocar antigas canções transformando assim saudade em música, maneira bonita de romancear um sentimento que às vezes é tão triste.Dominar aquele instrumento também representava a capacidade de num dia inspirado, criar uma nova música. Uma música que naquele momento pudesse dizer de maneira harmoniosa tudo o que eu estivesse sentindo. Na verdade, uma música não precisa de palavras, mas humilde, não as dispensa. Única e tão somente para dar vez e voz a quem quiser cantá-la.Pensei num primeiro momento que o impedimento de dominar um violão, fosse apenas monetário. Ah, se eu tivesse dinheiro para comprar um violão... Tudo estaria resolvido, tendo um violão à minha disposição vou aprender a tocá-lo. Enquanto assim pensava, não deixava de admirar aqueles que apanhavam o instrumento e davam um verdadeiro show.Mas não havia desespero, um dia eu teria também um violão e quando esse dia chegasse iria dominá-lo. Tudo bem, talvez não conseguisse tocar com tanta maestria, mas tocaria. Seria mais um que, em algum canto, estaria ajudando a encher este mundo de música.Agora, já na minha adolescência, eu notava que aqueles que tocavam violão, eram olhados pelas mulheres de maneira diferente. Seria admiração? Mais do que isso. Eles tinham um contato mais direto com a alma feminina e aquela mistura de dedos e notas as encantavam. Sendo assim compreendi que não precisava ser o mais bonito, bastava saber tocar o violão.Finalmente comprei o violão, já no primeiro dia em casa e a sós, eu o violão, tivemos nossos primeiros contatos. Foi quando tive a certeza de que havia trazido para dentro de minha casa um amigo. É verdade, dizem que amigo não se compra, mas definitivamente aquela era uma exceção. Aquele amigo eu comprei. Entretanto, logo em nosso primeiro contato me certifiquei de que o amigo falava russo e eu teimava em falar português. Eu não o entendia, ele não me entendia. Eu pensava numa música, tentava encontrar a melhor posição para os meus dedos, mas ele dizia outra coisa, que nada tinha ver com a música imaginada e depois de horas tentando um acordo, entendi que continuava tendo um amigo, só que ele falava russo.O mais fácil para mim seria que ele aprendesse português, a minha língua. Mas como eu convenceria um violão a freqüentar uma escola. Deveria então, eu aprender russo. Fui até algumas escolas, conheci alguns professores, mas nunca conseguia voltar no dia seguinte. Tudo me parecia tão complicado e mesmo que não fosse tão complicado assim, não era urgente, não era prioridade, um dia eu aprenderia a falar a mesma língua do meu violão, agora eu tinha um violão dentro da minha casa, vinte quatro horas do dia ao meu inteiro dispor.Quantas vezes acarinhando o instrumento tentei novos acordos, que nunca resultaram em acordes. Eu tinha um violão, éramos amigos, mas não falávamos a mesma língua. O que se faz nessa hora? Rompe-se a amizade? Manda-se embora o amigo? Não, pensei diferente. Faríamos novos amigos. Sim, aqueles que pudessem ser nossos intérpretes e quantos novos amigos fiz através do amigo violão? Com alguns estreitei amizade e até compus. Nunca de minha parte combinando sol com fá, nem si com dó, mas assoviava uma canção imaginada e os amigos se encarregavam de combinar notas e melodia. Escrevi letras que se encaixavam no ritmo, cheguei a ter algumas canções gravadas, o violão me fez realizar sonhos e inspirou-me a dizer o que sentia, apesar de nunca termos falado a mesma língua.Mas continuamos amigos, nos respeitamos assim. No fundo acho que ele ainda espera que um dia eu seja capaz de dominar o seu idioma, embora, como um verdadeiro amigo, jamais, tivesse me cobrado isso alguma vez. De minha parte acho que me acomodei, pois, sempre que preciso falar com meu amigo violão, convido um terceiro amigo. O que torna nossas conversas ainda mais interessantes. Quando necessito de uma conversa mais íntima entre nós, coisas que só nós dois podemos saber; o apanho em meu quarto e desabafo tocando em suas cordas. Nestas horas falo o que sinto, mas do meu jeito, na minha língua. Ele me ouve e responde, mas na sua língua. Não me critica enquanto falo e responde até o momento que eu queira. Continuamos cada vez mais amigos, pois, meu amigo violão não me cobra nada, uma vez que sabe que eu não conheço suas notas e de minha parte sei que nossa amizade é desinteressada sabendo que ele não conhece as minhas notas. Amizades assim, são aquelas que duram para sempre!

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